sexta-feira, 24 de julho de 2009

Musicalização de adultos


Já há algum tempo que decidi seguir carreira acadêmica. Há dois anos venho elaborando um projeto de pesquisa, para o mestrado, sobre Improvisação no Choro, assunto que muito me interessa. Mas havia outro tema que muito me dizia respeito (de acordo com a minha trajetória profissional) e para o qual eu ainda não havia me dado conta: a musicalização de adultos.

Imagine que o aluno tenha duas ou três vezes mais anos de vida que o professor. Pois bem. Acredito que esta situação seja tão rica de significados quanto na educação musical infantil. É lógico que a bagagem que o aluno adulto trás é muito maior e mais bagunçada que a de um jovem. Para um "virginiano", que adora organizar bagunças, isto é um banquete! É como se aventurar num sótão ou antiquário: um lugar cheio de história para contar e muitas vezes cheio de tesouros escondidos. E encontrar, nesta bagunça "organizada" durante anos, a origem de uma dificuldade específica da aprendizagem musical é um desafio gigante, aparentemente impossível. Um trabalho para psicopedagogos da música¹, imagino eu.

A musicalização na maturidade exige habilidades diferentes da musicalização na infância, exige isca e anzol diferentes. Os jogos pedagógicos em sua maioria visam o público infantil e utilizá-los tal qual a cartilha para musicalizar um adulto, além de inadequado, às vezes pode ser até constrangedor, tanto para o professor quanto para o aluno. É necessário compreender a essência do conteúdo para desenvolver outra didática.

O adulto geralmente apela mais para a razão, para a lógica e até para a matematização dos conteúdos. Então, pela lógica, uma série de tabelas e gráficos sobre teoria musical poderiam iluminar o aprendizado deste adulto. Correto? Não, errado. Às vezes podem obscurecer mais ainda. Música é som, movimento, repetição, sensação, percepção. Isto sim ilumina o aprendizado. A melhor forma de musicalizar uma pessoa independentemente da sua idade continua sendo através do corpo, andando, batendo palmas, e lógico cantando e tocando.

Outro dia meu aluninho sexagenário fez uma grande descoberta e me disse impressionado: "quer dizer que a nota tem som?". Parece que ele passou a vida inteira sem saber que cada "bolinha" em uma partitura só é uma "nota" porque possui uma frequência definida. Isso talvez ajude a explicar porque, ao tocar sua gaita junto com uma gravação, ele reproduzia quase tudo com fidelidade: perfil rítmico, dinâmica, expressividade... menos as alturas. Até o momento ele nunca tinha associado o que ele fazia na gaita com o que eu vinha falando para ele sobre notas musicais.

Nota musical pode ser algo obscuro e misterioso até mesmo para músicos, por exemplo: percussionistas populares, batuqueiros, ritmistas, ou até mesmo músicos e cantores famosos. Muitos não têm noção do que é um Dó. E às vezes nem precisam tê-la, pois já tocam e cantam maravilhosamente bem. Eventualmente descobrem que aquilo que aquelas misteriosas "bolinhas" da partitura representam eles já fazem há muito tempo. E por isso, o momento da descoberta para estes é algo muito mais esplêndido. O aprendizado ocorre através de insights, momentos onde tudo aquilo se torna claro; justamente o "tudo aquilo" que a criança ainda não aprendeu.

¹ GAÍNZA, V. Hemsy de. Estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus, 1988.