terça-feira, 7 de abril de 2020

O estado crítico da saúde musical


Há alguns anos atrás, dizer que a música popular estava cada vez mais pobre era uma questão de opinião, porque gosto é subjetivo, não se discute, e etc. Hoje essa questão já não é mais discutida porque a conclusão é evidente: a música popular está um lixo. E quando digo música popular estou me referindo obviamente ao mainstream, ao que está no topo das paradas de sucesso. Basta uma breve pesquisa no youtube, pelas playlists de músicas mais tocadas pra saber quais são os alvos da minha crítica.

Independentemente de gênero e estilo de música o que se encontra nas paradas de sucesso são canções cujas letras estão repletas de conteúdos que banalizam não apenas o sexo como também, e principalmente, fazem apologia à flexibilização dos relacionamentos afetivos como um todo à um nível muito contestável. A traição, por exemplo, deixou de ser motivo de piada ou de arrependimento para ser banalizada e muitas vezes enaltecida, talvez como símbolo dessa nova forma de “amar”... sem amor. Isso tudo sem falar nas músicas que fazem apologia direta e indireta ao uso de drogas ou à bandidagem.

Ainda tem outra questão que me incomoda e muito. Um valor antigo que aprecio muito e que procuro viver no dia a dia é o de que, excetuando-se atividades de caráter sexual, “aquilo que eu não posso fazer em público eu não deveria fazer nem sozinho”. Veja que justamente o sexo, a única coisa que escapa à essa regra devendo permanecer privado, tornou-se protagonista, coadjuvante e figurante nessa novela de mal gosto que tem sido a música popular. E se você estiver pensando “ah mas isso é conteúdo adulto e existe classificação de idade pra isso”, lembre-se que os ouvidos de uma criança não se fecham pra uma música que escuta na rua ou na casa do vizinho só pra obedecer à classificação de idade.

Neste ponto alguém ainda pode perguntar: “Afinal, essa crítica é sobre a música ou sobre a letra das músicas?” E eu digo que é justamente aí que mora o perigo. Porque na prática, as duas coisas são indissociáveis. Se a letra de uma música nos causa uma determinada impressão, a música que embala essa letra fica gravada com essa mesma impressão e vice versa. Não adianta argumentar dizendo “ah eu sei que a letra dessa música não é das melhores, mas eu gosto da batida”. Nosso cérebro não é capaz de separar essas duas coisas e grava uma só impressão pra ambos os conteúdos. Dito isso, aonde você acha que vamos parar se continuarmos nos deixando embalar ao som dessas músicas? Que tipo de gente vamos nos tornar?

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Desenhos de música para colorir


Um professor de música deve sempre que possível priorizar atividades que sejam musicais. Isto é óbvio. Mas no âmbito do ensino escolar, há muitas situações que fogem às condições ideais para a pratica musical, sejam elas administrativas, infraestruturais, interpessoais, etc. A gestão da disciplina dos alunos em uma sala de aula é sem dúvida o maior desafio para a maioria dos professores no sistema educacional tradicional. Foi inclusive um dos motivos que me fez abandonar as salas de aula em 2016.

Na faculdade de música, ao menos na minha época, esse assunto não era abordado com a ênfase que merecia. Como praticamente 100% dos profissionais da educação, eu só fui ter consciência da gravidade do problema ao enfrentá-lo na prática. Por um lado, isso me forçava a ser criativo no desenvolvimento de estratégias pedagógicas e materiais didáticos específicos para minhas aulas. Por outro, foi rápida e progressivamente minando minha disposição de ser um professor de música submetido ao Sistema.

Há alguns anos atrás, uma pesquisa chegou a apontar que professores brasileiros gastam em média 20% do tempo de suas aulas gerindo a disciplina dos alunos. E isso é uma média, o que significa que algumas vezes essa porcentagem é bem maior. Tem dias que um professor simplesmente não consegue fazer absolutamente nada do que planejou, tendo que recorrer à uma infinidade de planos de aula alternativos. E ainda assim, haverá quase sempre um aluno ou outro que não irá colaborar de forma alguma (por questões que extrapolam o ambiente escolar, como problemas familiares, por exemplo).

Fora de contexto, dar um desenho para um aluno (ou mesmo pra toda a turma) colorir durante uma aula de música, pode soar como falta de criatividade, de planejamento, de compromisso com o desenvolvimento musical do aluno, atitude questionável de um professor que deveria prezar pela musicalidade de suas aulas e etc, como aprendemos na faculdade. Mas na prática, quando nem os planos de aula alternativos funcionam e depois de já ter usado todas as "cartas na manga" musicais de que dispomos, considero isso uma alternativa para sossegar aqueles aluninhos inquietos. Então...
Aulas coletivas de música, pra crianças, num ambiente escolar ainda por cima, são extremamente difíceis de ministrar. A heterogeneidade de aptidões motoras e cognitivas complica muito qualquer planejamento pedagógico. É lógico que, em se tratando de ensino coletivo, espera-se que o professor considere a média de desenvolvimento dos seus alunos no seu planejamento. Mas em se tratando de música, é muito difícil encontrar essa média e, mesmo depois de encontrá-la é ainda mais difícil trabalhar a inclusão musical daqueles que não estiverem contidos nela.

É extremamente duro admitir que música não é pra todos. Por isso, não vou admitir. Acho que todos tem capacidade de aprender música, mas cada um no seu tempo, respeitando seus limites, o que nem sempre é possível no âmbito do ensino coletivo. Se não tenho condições de revolucionar o ensino da música nesse contexto, é necessário, de vez em quando, abrir mão da musicalidade em prol da gestão da disciplina, apenas para viabilizar o mínimo, o que ainda é melhor do que nada.


Referências: