quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sorteio Rítmico


Estas fichinhas funcionam como uma ferramenta de sorteio (como dados, moedas, ou mesmo os dedos das mãos em "par ou impar", ou "pedra, papel e tesoura"). O que difere as fichas destas outras ferramentas de sorteio é o fato de que elas foram especialmente idealizadas para gerar resultados rítmicos nas mais variadas métricas que podemos obter com até 16 pulsos (fichas). Para jogar, destaque as fichas de sorteio e escolha uma quantidade de pulsos (de 1 à 3, de 1 à 4, de 1 à 8, etc.). Depois chacoalhe as fichas escolhidas com as mãos (como fazemos com dados), ou com o auxílio de um copo de plastico, e despeje-as sobre uma mesa ou sobre o chão para então organizá-las por ordem de contagem. Aquelas que caírem com os números virados para cima representarão pulsos de som; e as que caírem viradas para baixo, os pulsos de silêncio. A seguir, uma sugestão de jogo:

Contagem (2 ou mais jogadores): Organize uma roda de até 8 jogadores individuais, ou grupos para uma competição. Cada jogador ou grupo deverá sortear um padrão rítmico com as fichas e, após organizá-las, abrir uma contagem inicial ("um, dois, três e...") para então contar(em) em voz alta as fichas que estiverem viradas para cima e em silêncio as fichas que estiverem viradas para baixo. Realizando corretamente a contagem de pulsos de sons e silêncios por pelo menos 4 vezes consecutivas e ininterruptas, o jogador (ou grupo) pontua a quantidade de fichas multiplicada por 3. Ao deixar escapar uma contagem em voz alta de alguma ficha que estiver virada para baixo, o jogador ou grupo tem mais duas chances. Caso acerte na segunda chance, a quantidade de pulsos é multiplicada por 2. Acertando na terceira e última chance a quantidade de pontos equivale à quantidade de fichas.

Você pode produzir o jogo artesanalmente, com palitos de picolé. Você vai precisar de um alicate de corte, uma caneta preta, lápis de cor ou giz de cera, uma régua e palitos de picolé (com 1 palito você faz 8 fichas). Divida o(s) palito(s) em seções de 1 cm utilizando a régua e depois corte-as com o alicate. Então, os próprios alunos podem escrever os números e colorir uma das faces do palito e deixar a outra em branco.


Mas se preferir, você também pode produzí-lo com impressão a laser direta em folhas de PVC, tendo assim apenas o trabalho de cortar as fichas.


domingo, 16 de novembro de 2014

Peito Estala Coxa


As cartinhas de Peito Estala Coxa são um material didático baseado em uma variação da brincadeira Peito Estala Bate, que teve origem em Campinas segundo o Mapa do Brincar da Folha de S. Paulo. A brincadeira parte da reprodução de um groove de bateria com timbres corporais, onde os graves do bumbo são representados por tapas no peito, os agudos do chimbal por estalos de dedo, e os médios da caixa por palmas de mão. Em uma de suas variações as palmas são substituídas por tapas na coxa e isso permite um uso mais eficiente das mãos, que podem permanecer em constante alternância.

Na carta contendo a sequência PECC, por exemplo, se o primeiro toque (peito) for realizado com a mão direita, o segundo (estalo) será com a esquerda, o terceiro (coxa) com a direita, e o quarto (outra coxa) com a esquerda. Esta alternância de mãos garante a eficiência necessária para executar os grooves com mais rapidez. Contudo, ela pode ser dispensada enquanto regra na medida em que se torna um obstáculo tão difícil de transpor que acaba por desanimar os alunos de participar da brincadeira.

A medida em que esta alternância não for mais um obstáculo para seus alunos, a brincadeira pode evoluir para um estudo mais técnico e avançado, voltado para a performance. Com uma carta ou mais combinadas podemos  traduzir alguns grooves de bateria em percussão corporal. Veja:

PECE
Billie Jean (Michael Jackson)
Maniac (Michael Sembello)
Eye Of The Tiger (Survivor)

PECE PPCP
Do it again (Steely Dan)
Show me the way (Peter Frampton)

PECEPCP
Hey Ya! (Outcast)
Happy (Pharrell Williams)

PEEP + CEEP + EEPE + CPEE
The power (Snap)

PPCE + PECP + EPCE + EECE
Don't lose my number (Phill Collins)

Como no Jogo dos Pezinhos (apresentado na postagem anterior), o objetivo geral é realizar o ritmo contido em cada carta (ou combinação de cartas) por pelo menos 4 vezes consecutivas, ininterruptas, constantes (em um pulso regular), sem precisar dizer em voz alta o nome dos timbres ("peito, estala, coxa..."), e o mais rápido possível, pois só assim é possível ouvir o ritmo resultante. No entanto, estes requisitos devem ser introduzidos e avaliados gradativamente, conforme a desenvoltura dos alunos. A partir do objetivo geral é possível utilizar as cartas em diversas modalidades de jogo. Veja algumas sugestões:

Carteado (2 a 8 jogadores): Após embaralhar as cartas disponha todas sobre uma mesa em um único monte com as faces viradas para baixo. Sorteada a ordem dos jogadores, um de cada vez irá pegar uma ou mais cartas de cima do monte para realizar o ritmo de acordo com o objetivo geral (4 vezes consecutivas, ininterruptas, etc.). Quem pegar mais de uma carta deverá realizar o ritmo resultante da combinação destas. Em um nível mais avançado podemos acrescentar aos objetivos gerais a alternância das mãos (perde quem repetir a mão em duas letras consecutivas). É importante que haja um mediador (um juiz, que pode ser o professor). Quem acumular mais cartas ao final vence.

Tapa Certo (2 a 8 jogadores): Dispor as cartas sobre uma mesa, com as faces viradas pra cima. Com os jogadores dispostos em pé ao redor da mesa e a postos (com as mãos na cabeça), o professor abre uma contagem de 4 tempos e em seguida executa ininterruptamente o ritmo contido em alguma carta (acentuando bem o primeiro toque). O primeiro jogador a identificar a e por a mão sobre a carta executada leva-a (portanto se alguém colocar a mão sobre a carta errada o professor continua a execução até que alguém acerte). Há uma variação bastante interessante onde quem acertar a carta executada será o próximo a realizar ritmo de outra cartinha, para que os outros jogadores a disputem, e assim por diante. Quem acumular mais cartas ao final vence.

Desafio em grupo (grupos, até 30 jogadores): Depois de dividir a turma em 2 ou 3 grandes grupos, as cartas devem ser igualmente distribuídas (uma para cada integrante de cada grupo), com a face virada para baixo (como se sorteiam cartas de um baralho em um número de mágica). Depois de eleitos por seus grupos os líderes, sorteiam a ordem de participação de seus grupos na competição. Os líderes também irão eleger os Jogadores Coringa (um em cada grupo), que poderão participar duas vezes durante a competição. Cada carta ou combinações de cartas executadas corretamente [conforme os objetivos gerais] pode ser devolvida ao professor (mediador). Cada carta individualmente deve ser realizada por um jogador. Combinações de duas cartas devem ser realizadas por duplas; de três cartas, por trios e assim por diante. Ganha o grupo que conseguir se livrar de todas as cartas primeiro.

Estas são apenas algumas sugestões. Descubra novas maneiras de jogar, inventando e reinventando os jogos com seus alunos. Este material é constituído por 81 cartas com diferentes combinações dos três timbres, que foram propositalmente associados à três cores distintas na intenção de facilitar a leitura e o reconhecimento das diferentes cartas.

A seguir, disponibilizo para a impressão os arquivos (PDF) nos formatos A4 e A3, consecutivamente. Aconselho impressão digital (a laser) direta em PVC Laser Branco (material semelhante ao de baralhos), o que garante maior durabilidade e das cartas, que poderão ser lavadas (delicadamente), ou até mesmo limpas com borracha escolar sem que a impressão seja completamente danificada. Mas você também pode imprimir em papel couché e "plastificar" individualmente cada cartinha com fita larga transparente. Dá mais trabalho mas fica bem mais em conta. Boa aula!


Baralho Peito Estala Coxa (A4)



Baralho Peito Estala Coxa (A3)

sábado, 18 de outubro de 2014

Jogo dos Pezinhos


O Jogo dos Pezinhos é um jogo pedagógico musical, que trabalha noções de pulso, compasso, quadratura, som e silêncio, padrões rítmicos, dentre outros conteúdos, através do corpo. O jogo é constituído por 15 fichas duplicadas (um total de 30), contendo cada uma delas uma combinação de pegadas em branco e pintadas - além de uma ficha coringa (para substituir alguma ficha eventualmente perdida ou danificada). As pegadas em branco representam, inicialmente, passos/pulsos de silêncio; e as pintadas, passos/pulsos que devem ser sonorizados com timbres de percussão corporal, (como palmas ou estalos de dedo, por exemplo), ou ainda instrumentos de percussão como clavas, tamborim, agogô, reco-reco, etc.

O objetivo geral é realizar as fichas (ou combinações de fichas) por pelo menos 4 ciclos consecutivos, ininterruptos, constantes (em um pulso regular), de preferência sem precisar contar os passos em voz alta, e o mais rápido possível, pois só assim é possível ouvir o padrão rítmico resultante. No entanto, estes requisitos devem ser introduzidos e avaliados gradativamente, conforme a desenvoltura dos jogadores. As fichas em si é que constituem o Jogo dos Pezinhos, que pode ser jogado de diversas maneiras, inventadas e reinventadas a partir do objetivo geral. Mas é fundamental, ao menos de início, que haja a mediação de um professor, de preferência músico. A seguir algumas sugestões de como jogar:

Jogo Simples (2 a 4 jogadores): Disponha todas as 30 fichas sobre a mesa, viradas com a face para baixo. Embaralhe-as e sorteiem uma ordem para os jogadores. Cada jogador, na sua vez, deverá sortear uma ou mais fichas para a execução conforme o objetivo geral, descrito anteriormente. A execução de cada ficha individualmente vale 10 pontos, enquanto combinações de 2 fichas valem 30 pontos, de 3 fichas 70 pontos e de 4 fichas 150 pontos. O jogador que errar a execução deverá devolver a(s) ficha(s) para a mesa e embaralhá-las novamente. Ganha quem fizer mais pontos.

Tapa Certo (2 a 8 jogadores): Dispor as fichas sobre uma mesa, com as faces viradas pra cima. Com os jogadores dispostos em pé ao redor da mesa e a postos com as mãos na cabeça, o professor começa o jogo abrindo uma contagem de 4 tempos para logo a seguir executar uma das fichas ininterruptamente e marcando bem o primeiro passo. O primeiro jogador a identificar a e por a mão sobre a ficha executada leva-a. Há uma variação simples e interessante onde quem acerta a ficha executada será o próximo a realizar outra ficha para que os outros jogadores a disputem, e assim por diante. Quem acumular mais fichas ao final vence.

Desafio em grupo (grupos, até 30 jogadores): Depois de dividir a turma em 2 ou 3 grandes grupos, as fichas devem ser igualmente distribuídas aos grupos como em um jogo de baralho (com a face virada para baixo). Depois de eleitos por seu grupo os líderes, sorteiam a ordem de participação dos grupos na competição. O líder também irá eleger o Jogador Coringa, que poderá participar duas vezes durante a competição. Cada ficha ou combinações de fichas executadas corretamente [conforme os objetivos gerais] pode ser devolvida ao mediador (professor). Cada ficha individualmente deve ser realizada por um jogador. Combinações de duas fichas devem ser realizadas por duplas; de três fichas, por trios e assim por diante. Ganha o grupo que conseguir se livrar de todas as fichas primeiro.

Onde está meu par? (duplas, até 30 jogadores): separe as fichas gêmeas em dois montes e a turma em dois grandes grupos com o mesmo número de participantes em cada um. Distribua as fichas de um monte para cada jogador do grupo A e as fichas gêmeas (no outro monte) para os jogadores do grupo B. Durante 1 minuto, os jogadores do grupo A deverão caminhar livremente em um lado da sala (ou quadra) realizando cada um a sua ficha enquanto os jogadores do Grupo B deverão observá-los atentamente para encontrar seus pares no grupo A. Após o sinal do professor (ao término de 1 minuto) os jogadores do grupo A deverão ir de encontro aos seus pares. Vencem todos que encontrarem seus pares. Obs.: Caso o número de participantes seja ímpar, o jogador excedente deverá estar no grupo B e após dar-se conta de que está sem par ele deverá, ainda durante o tempo de 1 minuto, juntar-se aos jogadores do grupo A realizando sua ficha. Fazendo isso a tempo ele garante a Vitória Especial sobre todas as outras duplas que encontrarem seus pares.

Logo abaixo disponibilizo o arquivo PDF pronto para a impressão (em formato A3). Você pode produzir o jogo em papel couché ou cartolina, mas não será tão durável quanto se forem produzidos em PVC. Há um modelo desse material específico para impressão a laser, e depois de impresso pode ser lavado e limpo com facilidade. Mas você pode também imprimir em cartolina ou papel couché e depois plastificá-los individualmente com fita larga transparente. Dá mais trabalho mas fica bem mais em conta. Boa aula!

sábado, 31 de maio de 2014

Labirinto Musical


Trace o caminho das notas musicais em uma atividade divertida com desenhos para colorir. Os níveis correspondem à quantidade de oitavas percorridas, e o objetivo pedagógico é exercitar o automatismo dos nomes das notas musicais e suas posições uma em relação à outra por ordem de altura (frequência). Aí vão algumas dicas: Antes de tudo oriente seus alunos a traçarem o caminho entre as notas de lápis, pois se errarem dá pra apagar. Além das figuras, os alunos podem também colorir as casas que compõem o caminho traçado (depois de corrigido pelo professor). Essa atividade é orientada para alunos de todas as idades. Contém 36 páginas de labirintos com figuras para colorir e 13 páginas só com labirintos, ocupando 1/4 de página cada.

domingo, 6 de abril de 2014

Curto e Longo (Bingo Morse)

Neste sistema, criado em 1835 pelo estadunidense Samuel Morse, cada letra, número ou sinal de pontuação em um texto é representado por uma combinação de sinais curtos e longos, que podiam ser transmitidos a longas distâncias por ondas de rádio através do telégrafo. Graficamente, os sinais curtos são representados por pontos, enquanto os sinais longos por traços.

Por sua natureza, o código morse pode ser usado como um recurso didático para trabalhar o parâmetro da duração do som em aulas de música ou musicalização. O professor pode, por exemplo, introduzir de 4 a 8 das letras mais simples do código (por exemplo: e, i, s, t, m, o, a, n,) e treinar com os alunos a percepção de cada uma, para depois soletrar palavras em morse para que os alunos tentem descobri-las. Assumindo o código morse como um recurso didático apenas, e não com o objetivo de ensiná-lo de fato, é muito importante, inicialmente, que o professor execute curtos e longos bem contrastantes e até mesmo com uma pequena pausa entre cada sinal para facilitar a assimilação das combinações pelos alunos. Depois, visando facilitar a assimilação de outros conteúdos, o professor pode padronizar a duração do sinal curto como sendo a metade da duração do sinal longo. Em outras palavras, ao transformar o sinal curto em semicolcheia, por exemplo, e o sinal longo em colcheia, algumas letras corresponderiam à padrões rítmicos muito comuns na música ocidental. Veja:



Ainda que não seja a maneira mais musical de se ensinar curto e longo, um Bingo, por exemplo, é sempre uma carta na manga em aulas curriculares de música. No entanto, recomendo realizá-lo somente após esse conteúdo já ter sido abordado com outras atividades (como aquela anteriormente descrita). Você pode usar botões coloridos ao invés dos tradicionais feijões, o que geralmente desperta mais o interesse das crianças.


Sobre o desenrolar da atividade, você perceberá que ela funciona muito bem com a turma dividida em duplas e/ou trios, pois desta forma os alunos exercitam e desenvolvem sua percepção pelo caminho da cooperação, discutindo qual combinação fora tocada e se eles possuem ou não a letra correspondente. Outra prática interessante é a de convidar algum aluno para registrar na lousa as combinações das fichas sorteadas; e desta forma esse "ajudante" também exercita sua percepção musical junto com o resto da turma. Você pode ainda convidar outros alunos para cantar ou tocar as fichas sorteadas.

Para confeccionar o Bingo como na figura acima, imprima o PDF a seguir e boa aula! Na foto acima eu imprimi em papel couché 240g e plastifiquei as cartelas e as fichas para durarem mais. Mas depois eu descobri uma forma de imprimir em uma folha de PVC especial para impressão a laser, mais fácil ainda de limpar com água, já que não há risco de infiltrar e molhar o papel se a plastificação abrir. Quaisquer dúvidas sobre como produzir ou pôr em prática o jogo é só entrar em contato comigo através do formulário ao lado. 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Aos meus alunos do Col. Santa Maria

Gostaria de fazer um agradecimento muitíssimo especial à todos os meus alunos de Iniciação ao Violão no Colégio Santa Maria Coração Eucarístico, pelo carinho com que me receberam este ano como seu professor e por me aguentaram até o último dia de aula. Obrigado também pelas flores, pelos presentes, pelas surpresas, e pelo "Óscar das aulas de Violão" (super criativo!!!). Não tenho como expressar em palavras o quanto é gratificante ser professor. Ainda mais depois de receber um troféu desse! Obrigado a Brunna, Ana Julia, Maria Clara, Sofia, Pietra, Mariana, Gabriel, Tiago, Bernardo, Giovanni, Victória, Bárbara, Lucas Augusto, Pedro Augusto, Caio, Pedro Damasceno, Gabriel Gontijo, Lucas Moretson, André. Obrigado também às "Minnies" do jazz, pelo carinho. Neste ano de 2013, que marcou minha estreia como professor escolar, eu espero ter sido tão especial para vocês como professor quanto vocês foram especiais como alunos(as) para mim. Agradeço também àqueles que por qualquer motivo não puderam continuar a frequentar as aulas. E os digo: Não desistam da Música! Ela fará milagres em suas vidas (se não for pelo violão, o fará por outros meios). Todos vocês, sem exceção, estarão marcados no meu coração e na minha memória de hoje em diante. Feliz Natal, próspero ano novo, e um abraço do "fessor". Até ano que vem!!

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Campanha: exija professores formados em música


Sabe-se que quando bem promovida, a educação musical proporciona inúmeros benefícios à saúde física e mental do estudante, agindo direta e indiretamente no desenvolvimento das capacidades de comunicação, concentração, memória, agilidade de raciocínio, paciência, persistência e autoconfiança. E estes são só alguns dos benefícios mais conhecidos e divulgados pela comunidade científica, e que certamente irão se refletir na expansão das potencialidades deste aluno em todas as outras áreas do conhecimento.

Seus filhos ou netos têm aulas regulares de música na escola? Caso tenham, sabem se o(a) professor(a) é formado(a) na área? Em 18 de agosto de 2008, o então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.769, que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de música na educação básica, mas vetou o Art. 2º, que determinava que o ensino da música fosse ministrado por professores com formação específica na área. Dentre as razões do veto, argumentou-se que "no Brasil existem diversos profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em música e que são reconhecidos nacionalmente", mas que de acordo com esta determinação "estariam impossibilitados de ministrar tal conteúdo na maneira em que este dispositivo está proposto"¹.

Agora reflita comigo: em primeiro lugar, que artista reconhecido nacionalmente teria interesse em ser professor de uma escola de ensino regular? Este veto não só é irrelevante para estes artistas, como também prejudica o mercado dos professores formados em música. Em segundo lugar, músico e professor de música são duas categorias profissionais bastante distintas². É verdade que todo músico pode potencialmente ser um professor do seu próprio instrumento³. Mas educação musical no contexto escolar é bem diferente. Sem querer entrar muito em detalhes técnicos, o músico é geralmente um apaixonado por música, enquanto o professor deve ser um apaixonado por educação. Muito além de música e instrumentos musicais, o professor licenciado estuda psicologia, sociologia, política e didática, dentre outras disciplinas pedagógicas que o capacitam a desenvolver nos alunos todas aquelas potencialidades às quais me referi no início.

Portanto, se você preza pela qualidade da educação dos seus filhos e netos, valorize os profissionais da educação, exigindo professores de música formados e de preferência licenciados nas escolas em que estudam. Pois se a lei ainda não nos garante um ensino musical de qualidade, cabe a nós zelar por ele Pense nisso com carinho, discuta com seus amigos e familiares, e divulgue esta campanha. Ficarei feliz em receber comentários, dúvidas ou críticas em relação à esse assunto. O mais importante é que isso tudo não passe em branco, não seja ignorado nem esquecido.

Referências
¹ BRASIL. Mensagem nº 622 de 18 de agosto de 2008. visualizar
² ALVARENGA, Claudia Helena; MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Educação musical e legislação: reflexões acerca do veto à formação específica na Lei 11.769/2008. Revista Opus, Porto Alegre, v. 17, n.1, p. 51-72, jun. 2011. (p.68) download
³ GLASER, Scheilla R; FONTERRADA, Marisa. Músico-professor: uma questão complexa. Revista Música Hodie, v. 7, n. 1, p. 27-49, 2007. (p.31) download

sábado, 19 de outubro de 2013

A música do corpo e das coisas

Barbatuques

John Blacking (1973) definia música como “sons humanamente organizados”; Murray Schafer (1986), como “uma organização de sons [ritmo, melodia etc.] com a intenção de ser ouvida” [apreciada]. A definição de música que mais me agrada hoje une estas duas: música é uma organização humana de sons e silêncios com a intenção de ser apreciada. Isto implica que a música, em essência, depende apenas da percepção dos sujeitos, ou seja, ela mora na subjetividade e não na concretude física do som, ou dos instrumentos musicais. Afinal, como o próprio nome sugere, instrumentos são apenas instrumentos, ferramentas, meios para a criação musical.

Assim, se a prática musical não depende necessariamente da utilização de instrumentos musicais [tais como normalmente os concebemos] a educação musical também não o deveria. Decerto que, pelas cores, formatos, complexidade tecnológica [e, lógico, pelo timbre], os instrumentos musicais modernos costumam cativar a grande maioria seus estudantes. No entanto, devido à uma série de circunstâncias da atualidade (econômicas, políticas, logísticas etc.), é muito importante que os educadores saibam incentivar seus alunos a estudarem música não apenas pela possibilidade de se aprender a tocar um instrumento musical, principalmente no contexto de ensino curricular de música nas escolas.

Como praticamente não preveem gastos com recursos materiais, projetos de ensino de música voltados para o canto e a percussão corporal, por exemplo, poderiam finalmente promover a democratização do ensino de música nas escolas. Afinal, o canto e a percussão são as manifestações musicais mais primitivas; estiveram e ainda estão presentes em praticamente todas as sociedades do mundo. Não seria nenhum exagero, inclusive, afirmar que grande parte do conhecimento musical da humanidade deve sua existência à estas práticas.

Da mesma forma, não há no mundo um povo que não dance. E se “dança é música feita visível” (George Balanchine), inversamente o flamenco (Espanha), por exemplo, é uma dança feita audível; assim como o clogging (Reino Unido) e posteriormente a juba dance ou hambone (Estados Unidos), que influenciaram direta e indiretamente no desenvolvimento do sapateado moderno (CONSORTE 2012). Todas estas são manifestações cuja definição encontra-se em um limiar entre dança e música feita com o corpo (nestes casos com os pés, principalmente).

 

[...] Sendo seres corpóreos, atuamos com o corpo. O corpo não é instrumento para a educação, mas seu veículo primordial [...] (SANTIAGO 2008, p.54). [...] mediante a possibilidade de se expressar por meio dos corpos e da fantasia, as crianças podem dissipar as agressões e obter a autoconfiança [...] (Menuhin apud BASTIAN 2009, p.78).

 

Outra forma de promover uma democratização da educação musical seria trabalhar com a percussão “alternativa”, como costumo definir a junk percussion (ou, percussão com objetos inusitados, tal como colheres, baldes, panelas, vassouras, caixas de fósforos, bolas de basquete, serrotes, bicicletas, carros, tratores, emfim tudo que produza som). E engana-se quem acha que esse tipo de abordagem reduz o ensino da música aos aspectos rítmicos; muitos objetos produzem sons de alturas definida quando percutidos. Assim, o ensino de qualquer parâmetro musical depende mais da criatividade do professor que dos recursos materiais disponíveis.

Stomp

A educação musical deve ter como objetivo maior a formação de seres humanos mais conscientes de como suas experiências musicais afetam suas vidas. De um ponto de vista antropológico a música é uma atividade através da qual o ser humano percebe o mundo e se expressa sobre ele, e sobre si. O conhecimento musical é um espectro do conhecimento sobre a vida, assim como a física, a matemática, a linguística e etc. A grande diferença é que com música esse conhecimento costuma ser construído com mais prazer e alegria.

 

[...] Educar-se na música é crescer plenamente e com alegria. Desenvolver sem dar alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver tampouco é educar. [...] (GAINZA 1988, p.95)

 

Referências Bibliográficas
BASTIAN, Hans Günther. Música na Escola: a contribuição do ensino de música no aprendizado e no convívio social da criança. São Paulo : Paulinas, 2009.
BLACKING, John. How Musical is man? Seattle : University of Washington Press, 1973.
CONSORTE, Pedro. A percussão corporal como recurso musical. Artigo eletrônico. Grupo Fritos (blog). Disponívem em , publicado em 20 de abril de 2012.
GAINZA. Violeta Hemsy de. Estudos de Psicopedagogia Musical. 3ª Edição. São Paulo : Summus Editorial, 1988.
SANTIAGO, Patrícia Furst. Dinâmicas corporais para a educação musical: a busca por uma experiência musicorporal. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 19, 45-55, mar. 2008.
SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. 1ª ed. 1986. Traduzido por Marisa Fonterrada et.al. São Paulo : Unesp, 1992.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Carta aberta aos alunos e professores da Escola de Música da UFMG


Gostaria de expor aqui algumas questões que, se não são ainda, deveriam ser de interesse desta Instituição e de seus membros. Pois, no dia 17 de fevereiro do ano corrente abriu-se o edital nº 126 de 16 de fevereiro de 2012 para, conforme publicado no próprio site da Escola de Música, o “provimento de 01 (uma) vaga de Professor substituto na Escola de Música da UFMG. Área de conhecimento: Violão / Música Popular. No edital em questão exigia-se do candidato, além da Graduação em música, comprovação de sua experiência como violonista nas áreas de música popular e música erudita.

Toco violão desde 1997, entrei para o Conservatório de Música de Niterói no ano de 2000 e, em 2003, no auge e início do fim da minha atuação como violonista erudito, realizei um concerto inteiramente solo, no Salão Nobre do Teatro Municipal de Niterói, com peças de compositores como Leo Brouwer e Villa-Lobos. Em 2005, fui aprovado nos vestibulares da UFMG e UNIRIO para o curso de Licenciatura em Música e na UFRJ para o curso de Bacharelado em violão. Como desde cedo meu objetivo era a docência, eu preferi cursar Licenciatura e assim vim parar em Belo Horizonte, onde me formei em 2009.

Em agosto deste ano, se tudo correr bem, termino meu mestrado em Música e Cultura, cujo tema é a Improvisação no Choro, gênero com o qual venho trabalhando profissionalmente e me especializando desde 2006. Há bastante tempo, então, percebo-me como um músico essencialmente popular [apesar da referida formação erudita] e venho me interessando cada vez mais pelo estudo das linguagens musicais que pelo estudo do violão. E foi por isso, inclusive, que desde 2006 também eu decidi me aventurar no estudo de outros instrumentos, o que sem dúvida alguma vem me proporcionando um conhecimento sobre as linguagens do samba e do choro que, de outra maneira, eu não o teria.

Assim, estudando cada vez menos meu instrumento principal, minhas esperanças de compor o quadro de professores desta ou de qualquer outra escola de nível superior reduziram-se aos departamentos de teoria musical. A abertura do já referido edital foi pra mim, então, como uma injeção de ânimo dado o quadro político em que nos encontramos, se não me engano, desde o início do ano passado, com os cortes no orçamento público que reduziram desde a realização de concursos à nomeação de professores para as universidades.

Inicialmente não me senti muito apto à participar desta seleção, haja vista que não tenho um repertório muito extenso de violão solo instrumental, como é de praxe. Mas, analisando a situação com mais critério, lembrei que sou essencialmente um músico popular, com alguma formação erudita e, acima de tudo, apaixonado por educação, além de comprovadamente apto a assumir esta vaga de professor de violão no infante curso de Música Popular desta escola, de acordo com todos os critérios de seleção expostos no edital em questão. Resolvi então que esta era hora de “parar tudo” [o que incluiu minha pesquisa de mestrado] para tentar esta vaga.

Preparei então um repertório com o melhor que eu tinha a oferecer de música popular, tentando mostrar várias vertentes de um violonista popular, como solista e, principalmente, acompanhador, haja vista que no mercado para violonistas populares sempre predominou a habilidade de acompanhar, sejam cantores ou outros instrumentistas. Mas reconheço que, no dia da seleção, minha execução instrumental não foi das melhores e prova didática péssima, pois travei de nervoso frente à primeira grande oportunidade de ser oficialmente professor de música em um curso superior. E acredito do fundo do coração que o candidato aprovado tenha merecido a vaga de acordo com os critérios do edital.

Apenas não fiquei satisfeito de constatar que, extra-oficialmente, um outro critério era que o canditato também soubesse tocar guitarra, tal como me foi perguntado se eu o sabia [afinal, se critério não fosse não haveria porque desta pergunta]. Compreendo que muito provavelmente a grande maioria dos “violonistas” aprovados no vestibular pra Música Popular são também [ou principalmente] guitarristas. Mas na minha opinião, guitarra e violão são instrumentos completamente diferentes. Caso contrário, um Yamandú Costa, um Maurício Carrílho, um João Bosco e diversos outros exímios violonistas brasileiros, não teriam nenhuma chance nesse concurso para professor de violão do curso de música popular. Ou teriam?

Talvez em determinados contextos musicais, como o do jazz, ou da pretendida a universal "música instrumental", usar guitarra ou violão seja apenas uma questão de gosto. Todavia, assim como piano e cravo, estes instrumentos exigem técnicas significativamente diferentes uma da outra [quiçá mais diferentes ainda que piano e cravo], além do que, os repertórios típicos de cada um são também bastante diferentes. Se não o fossem, não seria estranho [pra não dizer ridículo] tocar heavy metal no violão ou samba de raiz em uma guitarra com distorção. Recentemente, inclusive, vendi minha guitarra, que jazia dentro de sua bag havia anos por motivos como este e, paralelamente, por falta de demanda profissional no meu caso em particular.

O que eu realmente quero com esta carta aberta às comunidades docente e discente desta Escola de Música é que, dadas as circunstâncias aqui expostas, se questionassem a si mesmas: que tipos de músicos pretendemos formar com esta mentalidade, de que um violonista popular deve também saber tocar guitarra e vice-versa? Violonistas de samba? Acredito não. Guitarristas de Rock? Tampouco. Que eu esteja completamente enganado, mas, muito provavelmente, estaremos mais aptos a formar Violonistas/Guitarristas de "Música Instrumental [Brasileira e olhe lá]". E isso não seria uma forma de exclusão sócio-cultural, como a que até bem pouco tempo sofria [ou ainda sofre] a Música Popular dentro das Escolas de Música?

Talvez daqui a alguns anos, se não continuarmos empacados por provincianismos musicais, surja o tão esperado Bacharelado em Guitarra para de uma vez por todas tirar a prova de que este instrumento, como vários outros, merece uma atenção especial, ao invés de ser relegado aos porões dos cursos de violão.

Saudações brasileiras,
Atenciosamente
David Diel

terça-feira, 19 de abril de 2011

Uma Roda de Choro no Bar do Cabral


Dia 20 de setembro de 2010, segunda-feira. São 19h e estou chegando no Bar do Cabral, na esquina das ruas Herval com Palmira, no bairro Serra, em Belo Horizonte, onde está para acontecer uma "roda de choro". O cavaco já está sentado (1) à mesa reservada para os músicos, montando a aparelhagem de som. Vou cumprimentá-lo. Um amplificador ativo e uma pequena mesa de poucos canais são usados pra tentar igualar o volume dos instrumentos e "salvar" os que não conseguem competir com o vozerio do bar (como o violão por exemplo).

Um frequentador do bar vem cumprimentar o cavaco e pergunta, com um sorriso de expectativa: vai ter "choro" hoje? Pareceu feliz com a confirmação e voltou à sua mesa. Eu cheguei com bastante fome e fui logo ao balcão. Pedi o que de mais típico havia no bar: pastéis de carne e uma dose de cachaça.

Enquanto os outros músicos não chegavam, conversamos [eu e o cavaco] sobre outros eventos de choro, como a 5ª edição do Festival Nacional de Choro – que era esperada para fevereiro de 2009, mas por falta de patrocínio viria emfim a ser realizada em outubro deste ano [2010] – e a comemoração do aniversário de seis anos do grupo Piolho de Cobra, à qual disse [o cavaco] ter comparecido, demonstrando grande satisfação em ter dado "canja" junto com seu amigo do bandolim que ainda está para chegar.

Agora outros músicos vão chegando: um 6cordas, um 7cordas, um sax, um pandeiro, outro pandeiro, o bandolim... todos do sexo masculino, com idade variando entre 20 à 40 anos.

A roda de Choro sempre foi uma espécie de “clube do Bolinha”, haja vista o livro do Animal que, entre centenas de nomes cita pouquíssimas mulheres, sendo que a única musicista citada, pra variar, foi a Chiquinha Gonzaga (2).

A predominância masculina nas rodas de choro poderia ser verificada a partir de um simples levantamento estatístico. Mas um crescimento progressivo, durante esta última década, do interesse de mulheres musicistas pelo choro, faz da ausência delas praticamente uma exceção, esta noite (3).

O livro de Alexandre Gonçalves Pinto (o Animal), ao qual Henrique Cazes se referiu acima, chama-se O Choro: reminiscencias dos chorões antigos, escrito em 1936. É uma obra literária bastante citada, por conter crônicas e perfis de uma série de personagens do choro, mas também muito criticada por ser mal escrita, além de conter opiniões muito parciais sobre seus personagens – o que a destituiria de qualquer credibilidade historiográfica, ou científica, a priori. Mas este seria, talvez, o maior equívoco de uma crítica como essa, pois já no prefácio o próprio autor nos adverte que 
[…] não tem a pretenção de mostrar erudição, […] tão simplesmente em linguagem dispretenciosa [sic] […] são chronicas [sic] do que se respirava no Rio de Janeiro neste período [1870] desde o tempo de João Minhoca, da Lanterna Mágica do Chafariz do Lagarto, […], o autor só teve por fito recordar, que é um novo sentir e tornar a viver […] (4).
Animal apenas registrara informalmente suas memórias. Assim, mesmo que as informações contidas no texto não tenham credibilidade científica, elas podem ao menos constituir um ponto de partida para investigações historiográficas adjacentes.

Cada um que chegava, cumprimentava a todos da roda. Alguns, ao me verem sentado à uma mesa à parte, gesticulavam como que perguntando se eu havia trazido o violão ou a gaita. Explicava-os então que estava realizando uma pesquisa e que precisava ficar de fora a maior parte do tempo.

Após cerca de 20 minutos conversando, afinando seus instrumentos e equalizando a amplificação da aparelhagem de som, começam – o bandolim (solo), o pandeiro, o cavaco fazendo o “centro”(5), o 6cordas e o 7cordas – a tocar primeira música, que é

… Migalhas de Amor (Jacob do Bandolim)(6)

Alguns frequentadores já esperavam sentados, com seus corpos sugestivamente voltados para onde iria acontecer a roda de choro. Ao terminar a música quem, por estar atrás do balcão, aparentava ser gerente do bar – que, por conveniência, chamarei de "gerente" daqui por diante – incita palmas, mas não tem muito sucesso. Murmura, então, algo que não entendo e volta aos seus afazeres, aparentando certa indignação. Já os músicos parecem indiferentes quando às palmas, mas satisfeitos por terem, enfim, começado a tocar.

… Atlântico (Ernesto Nazareth)

Esta música é solada, não por acaso, pelo bandolim, pois “foi Jacob Pick Bittencourt (o Jacob do Bandolim) quem trouxe as músicas de Nazareth para o universo do choro”(7). Assim muitas das músicas de Nazareth tornaram-se parte do repertório dos bandolinistas do choro.

O interior do bar é pequeno. A área dos frequentadores (excluindo a área atrás do balcão) tem cerca de 3x3m e cabe praticamente duas pequenas mesas unidas (reservadas aos chorões) com cerca de dez cadeiras ao redor, além de duas mesas encostadas na parede oposta ao balcão, com duas a três cadeiras cada. A maioria dos frequentadores fica na área externa do bar, em mesas montadas na calçada ou em pé. Numa das paredes internas há um quadro feito com dezenas de caricaturas, que seriam atribuídas à alguns dos frequentadores mais típicos daquele bar.

Novamente, ao final da música o "gerente" tenta incitar palmas, dessa vez com menos ânimo. A maioria dos músicos ainda parecem indiferentes. Enquanto isso, amigos que chegaram durante a última música aproveitam os intervalos para cumprimentar à todos da roda. Há muita cordialidade.

… Numa Seresta (Luis Americano)

Alguns recorrem à partitura – geralmente os solistas – outros não – no caso dos acompanhadores. Apesar de não saber tocar esta música "de cor", nem haver ali uma harmonia desta, cifrada naquele tom, o 7cordas arrisca acompanha-la “de ouvido”. Já o 6cordas – que se disse ainda na condição de iniciante – prefere não tocar desta vez. De vez em quando os acompanhadores se perdem na harmonia, mas nunca interrompem o ritmo, fazendo, muito provavelmente, com que alguns dos “deslizes” passem desapercebidos para os ouvintes leigos. Mas a cada volta ao "A", acerta-se mais e parece que, assim, eles aprendem a música tocando. De fato, muitos chorões ressaltam a
[…] importância fundamental […] da freqüentação assídua de rodas de samba e de choro - de um aprendizado, portanto, misturado com a prática […] enfatizavam o tipo de habilidade necessária para um bom desempenho numa roda: capacidade de transpor em tempo real, de acompanhar músicas que não se conhece especialmente bem, de improvisar contracantos nas cordas graves do violão […] etc. (8)
… Homenagem à Velha guarda (Sivuca)

As músicas geralmente são sugeridas por quem vai tocar a melodia. Mas sempre há uma certa negociação, com quem vai acompanhar e com os outros solistas – ou melodistas. Ao final desta música o 7cordas se dirige ao 6cordas e o incita à solar uma música. Mas ele não parece à vontade para isso ainda. A roda de choro – lembrando Sandroni, citado anteriormente – é reconhecida pelos chorões como um lugar de aprendizado. O estímulo dos colegas transformaria-se em um compromisso de estudo e o respeito às diversas condições é o que faria da roda de choro um lugar “democrático”. Henrique Cazes diz que:
[...] Uma roda de choro de verdade é aquela que mistura profissionais e amadores, gente que toca melhor e pior, sem nenhum problema. Dos tipos desagregadores, o mais perigoso é o “fominha”, que chega na roda carregando três instrumentos e quando começa a solar não pára mais. Esse tipo gosta de direcionar o repertório e sempre tira o encanto da festa (9).
A maioria dos frequentadores, também do sexo masculino, aparenta ter entre 40 e 60 anos. Alguns mais velhos que isso. Pouquíssimas mulheres frequentavam o local no dia e nenhuma das presentes estava desacompanhada. Lá por volta da terceira música o gerente já havia desistido de puxar palmas.

… Chorei (Pixinguinha)

Ao final desta música uma pessoa se dirige a roda e anuncia que uns garotos estão quebrando o vidro de uma caminhonete na outra rua. Dois dos frequentadores vão então conferir, pois aparentemente suspeitaram ser a caminhonete de um deles. Os dois solistas (bandolim e sax) também deixam a roda, pois parecia que o dono desta a caminhonete era conhecido de um deles. Mas a roda não parou por isso. Sem solistas o cavaco assume o posto e puxa a próxima.

… Desprezado (Pixinguinha)

O verbo “puxar”, neste contexto, significaria começar a música, numa forma de convidar os outros músicos à acompanhá-lo. Em alguns casos o violão ou o cavaco de centro também podem puxar alguma música como sugestão para o solista, mesmo que ela não tenha uma introdução característica – como a de Doce de Côco de Jacob do Bandolim, por exemplo – já que muitas são reconhecíveis pelos chorões apenas pelos primeiros acordes e pela rítmica. É importante também lembrar que a palavra "solista" é comumente utilizada nesse meio para designar quem toca a melodia – o melodista – e não um músico que tocará sozinho.

Em cima da mesa, garrafas de cerveja, refrigerante, partituras… O sax já está de volta e propõe a próxima. Os pandeiristas se revezam – toca-se sempre um pandeiro de cada vez.

… Sonoroso (K-Ximbinho)

Muitas das músicas que o saxofone propõe também são próprias do repertório deste instrumento – K-ximbinho, assim como Pixinguinha, era saxofonista. O Bandolim, que ainda estava fora, chega a tempo de "dividir o solo"(10), tocando o último A. Curioso foi o fato de que, como não sabia que a música já estava no final, ele ficou receoso de tocar a coda, esperando talvez que alguém começasse a solar a parte B ou C. Mas isto, ao final, foi uma motivo de diversão e não de repreensão.

… Proezas de Solon (Pixinguinha)

Esta é uma música bastante conhecida pelo público, por ser tocada praticamente em todas as rodas. Ao final dela, mais palmas – a esta altura, menos tímidas e mais generalizadas. Agora os músicos já se entusiasmam com a receptividade do público, mas um ou outro agradece as palmas com uma leve inclinação da cabeça. O público tampouco parece ficar ressentido com esta atitude. O único que demonstrara algum sinal de desaprovação até agora havia sido o “gerente”, mas com relação à falta de palmas.

A “roda” de choro não tem esse nome atoa: os chorões tocam ao redor da mesa, de frente uns para os outros, o que faz com que a maioria fique de costas para quem se põe como público. A esta altura começo a perceber melhor a diferença entre a relação dos chorões com este pretenso público, numo bar, e a relação de músicos eruditos com seu público, numa sala de concertos.

… Doce de Côco (Jacob do Bandolim)

Nesta, o cavaco também divide uma parte do solo o sax e o bandolim. Ao final, os pandeiros revezam-se novamente.

… Os 8 Batutas (Pixinguinha)

Ao final desta música houve até um grito de exaltação junto às palmas, agora mais calorosas. São 20:15 e o bandolim insiste para o saxofone que toque uma música que ele gosta muito. Ambos os violões lêem uma sequência de cifras que fora transcrita a partir de uma gravação pelo cavaco.

… Doce Melodia (Abel Ferreira)

Atentos, os acompanhadores não perdem nenhum breque. E ao final, muita exaltação principalmente por parte dos músicos que não estavam tocando, inclusive o bandolim que a pediu enquanto levantava-se para fumar do lado de fora.

… Brejeiro (Ernesto Nazareth)

Esta é uma música concebida por muitos chorões como propícia para o improviso. O bandolim e o flauta – o mesmo que toca o sax – solam juntos quase o tempo todo: ora um tocando a melodia e o outro contraponteando, ora os dois dobrando a melodia, na mesma oitava ou em oitavas diferentes.

Ao final alguém anuncia para o 7cordas não seguir a harmonia do A inteira, mas manter a alternância entre os acordes de tônica e dominante que há nos primeiros compassos. Então todos improvisam – como de costume, desde de uma clássica gravação por Jacob. (11)

Alguns frequentadores mais próximos da roda quase não desgrudam os olhos desta performance. Há momentos onde cada um improvisa alguns compassos sozinho e há outros onde o improviso é compartilhado com todos – neste último caso parece haver uma atenção especial para que um não corte a idéia do outro. Talvez por isso, neste momento todos se olhem mais, se escutam mais. Como era de se esperar, tendo em vista a atenção do pretenso público, houveram muitas palmas ao final.

… Pagão (Pixinguinha)

Após o Pagão, me chamam então para tocar. O 7cordas e o 6cordas me oferecem, ambos, seus instrumentos para a “canja”. O 7cordas insiste e eu, prontamente, aceito. Tocamos então...

… A vida é um buraco (Pixinguinha)
… Carioquinha (Waldir Azevedo)
… Chiquita (Waldir Azevedo)
… Noites cariocas (Jacob do Bandolim)

Após quatro músicas eu agradeço ao 7cordas e ele volta ao seu posto. Já são 21 horas e a roda ainda está muito animada.

… Catita (K-Ximbinho)

O bar já está cheio, há bastante gente consumindo. O “gerente” parece satisfeito com esta “atração musical”, que enche seu bar de fregueses.

… Peguei a reta (Porfílio Costa)

A segunda dose de cachaça já está fazendo efeito. Talvez como pesquisador eu não devesse beber cachaça durante a pesquisa para não debilitar minhas capacidades cognitivas, a menos que me oferecessem, pois isso alteraria minha percepção do fenômeno. Em alguns casos – de pesquisa etnográfica – uma desfeita poderia influenciar na relação do pesquisador com os sujeitos pesquisados. Em contrapartida muitos dos sujeitos em questão [os chorões] também consumiam bebida alcoólica, o que, de certa forma, até me deixaria num estado de consciência semelhante ao deles.

Alguns, então, explicam a introdução da próxima música para o 6cordas, pois esta em especial seria a função do violão – muito provavelmente desde a consagração de outra famosa gravação de Jacob.

… Santa morena (Jacob do Bandolim)

Um velhinho admirava, com olhos fixos e a boca aberta esta música, que é sempre muito louvada pela audiência. Em compasso ternário, variando a acentuação com binário composto, ela causa um contraste com todo o repertório da roda por ter uma uma sonoridade que lembra o flamenco.

Durante esta música alguém anuncia: "Ó o B!". Parece comum, nas rodas de choro, os solistas anunciarem a forma em voz alta, quando a música é menos conhecida ou quando este decide mudar sua forma arbitrariamente. Mas quem mais anuncia a forma durante toda a música parece ser o 7cordas. E ele faz isso musicalmente, em geral com uma baixaria (12) sobre a dominante da próxima parte – B, C, A2, etc. Talvez, este seja um dos motivos pelo qual são raríssimos os choros que não apresentam modulação entre as partes, pois este tipo de “código” facilitaria a comunicação musical numa roda de choro. Muitas palmas ao final e, depois de algumas sugestões, o 7cordas é quem “puxa” a próxima música...

… Assanhado (Jacob do Bandolim)

"Vamos fazer mais lentinho como o Época de Ouro!", disse o bandolim. O 7cordas prontamente reduz o andamento e a música continua. Como em Brejeiro e Santa Morena fica evidente agora, com esta referência ao andamento, a consagração ou mesmo “canonização” de alguns arranjos.

Vale notar que muitas das “versões” feitas por Jacob tornaram-se referência para os chorões, basta ouvir gravações realizadas posteriormente por outros intérpretes do choro. (13)

O bandolim, então, emenda em pot-pourrie o Brasileirinho de Waldir Azevedo. Ele toca olhando pra cima, mas aparentemente sem foco. Isto evidencia sua concentração, pois neste momento ele interpreta o tema com bastante liberdade rítmica: ele está improvisando! Henrique Cazes diz que
“A improvisação do Choro é mais rítmica e mais próxima do material temático do que as melodias criadas livremente em cada chorus no jazz”. (14)
O que não quer dizer que só exista esse tipo de improvisação no choro. Em 2008, Paula Veneziano Valente escreveu um artigo no qual ela aponta pelo menos dois modelos de improvisação no choro: um “vertical” e outro “horizontal”, respectivamente atribuidos à Pixinguinha e à K-ximbinho (15). As improvisações de K-ximbinho teriam, segundo suas análises, uma clara influência da música norte americana (especificamente do jazz), enquanto as de Pixinguinha estariam mais voltadas para as raizes do choro (16). Mas o carioca Maurício Carrilho – violonista, chorão, pesquisador e fundador da Escola Portátil de Música – já havia dito em 1998, numa entrevista à Ozéas Duarte e Paulo Baía, que
[…] a improvisação do choro é tão livre quanto à do jazz. O Hermeto entorta bastante, faz loucuras; o Tom Jobim fazia um choro mais comportado; o Armandino coloca um sotaque meio pop. E todos estão tocando choro […] Não têm nenhuma proibição, balizamento, regras. Só tem que dar o sabor do choro. Para não deformar, tem que guardar a alma, conhecer sua cultura, dominar a tradição, senão vira outra coisa. (17)
Depois de terminar em andamento acelerado, como de costume no Brasileirinho, o cavaco diz: "vamos uma mais lentinha aí!", como quem pede um descanso. Repetem então a música

… Doce de Côco (Jacob do Bandolim)

O 6cordas, aproveitando a oportunidade [por ser uma música repetida], arrisca uma inovação, realizando a sequência de acordes da introdução com o bordão em pedal na tônica. Talvez por isso os solistas tenham demorado mais compassos do que o habitual para começar o tema, pois alguns tinham no rosto um sorriso de surpresa e contemplação. Pareciam estar curtindo tanto que esqueceram de começar o tema. Então, o bandolim e o sax entram solando juntos, mas bandolim cede cordialmente e o sax continua.

Depois da repetição de Doce de Côco, são tocadas algumas músicas novas. A maioria, pelas características que pude observar, eram polcas e choros propriamente. Na verdade, estas músicas são “novas para mim” ou por não serem comumente tocadas naquela roda, por aqueles músicos, pois muitas já têm mais de meio século. O cavaco então sai pra um descanso e o pandeirista assume seu posto. Pela minha experiência em outras rodas, este revezamento entre os instrumentos parece ser uma prática comum. Assim, uma roda pode durar a noite inteira. E o repertório parece não acabar, muito menos a vontade dos solistas.

… 1x0 (Pixinguinha)

Agora, o 7cordas sai para ir ao banheiro e novamente me oferece seu violão para subsituí-lo. Eu já estou um pouco receoso, pelo grau de embriaguês que eu apresento no momento, mas enfim aceito. E começam as saideiras. Há uma preocupação com a hora, pois o bairro é residencial e uma lei conhecida como “lei do silêncio” proibe a música nestes locais após as 22:00 horas. Mas, ao que parece, se não houvesse este impedimento a roda aconteceria indefinidamente, até o repertório dos solistas acabar ou mesmo o bar fechar – como cheguei a presenciar muitas outras vezes.

… Na Glória (Raul de Barros)
… Benzinho (Jacob do Bandolim)
… Machucando (Adalberto Azevedo)

Enfim, agradeço novamente ao 7cordas, que retoma seu posto para a última música.

… André de Sapato Novo (André Victor Corrêa)

Os músicos e os frequentadores do bar se divertem com as citações nos breques da parte A desta música, que é repetida várias vezes ao final para que cada músico tenha a oportunidade de fazer sua citação. Algumas delas provém de gêneros muito além do universo do choro, como do rock, por exemplo, quando citam o motivo de Smoke On The Water da banda estrangeira Deep Purple. Mais uma saideira – a definitiva desta vez.

… Sonoroso (K-Ximbinho), novamente.

Já são 22h15min agora e a roda definitivamente acaba. Não demora nem 5 minutos e a maioria dos frequentadores paga suas contas e vai embora.


CONSIDERAÇÕES “INICIAIS”

Este exercício de etnografia suscitou-me algumas hipóteses. Parece que as relações que surgem neste encontro estariam bastante relacionadas com o significado da roda de choro para três "atores" principais: o gerente do bar, os frequentadores e os chorões.

O gerente: teria um ponto de vista fundamentalmente comercial, onde a roda de choro representaria “mais consumidores, mais lucro”. Talvez ele compreenda a roda de choro como um show musical, um atrativo para os frequentadores do seu bar e, como contrapartida, ele recompensa os músicos com cortesias, como bebidas, comidas ou mesmo couvert e cachês. Talvez, por isso ele incite as palmas.

Os frequentadores: constituiriam, em sua maioria, um pretenso público, que vai ao bar na expectativa de apreciar a música dos chorões – como aquele frequentador que foi cumprimentar o cavaco perguntando se haveria choro naquela noite – ou que está ali ocasionalmente.

Os chorões: segundo algumas conversas informais, eles fariam a roda de choro ali ou em qualquer outro que tivesse bebida, petiscos ou, até mesmo, couvert em troca da atração que a roda representaria para o bar. O compromisso dos músicos não seria nem com o bar, nem com os frequentadoes, mas com a própria roda de choro – com a música. O fato de estarem ganhando pra tocar seria um mero detalhe (que, no entanto, não deixaria de ser importante no final do mês), o que faz com que o músico neste contexto seja um profissional diferente, que gozaria de muito mais liberdade que outros funcionários do bar, como o garçom ou o cozinheiro. Ao contrário dos frequentadores [o “pretenso” público], o chorão neste contexto parece profissionalmente “despretensioso”.

NOTAS
1 É comum referir-se ao músico pelo instrumento que ele toca, por exemplo: “callado foi um flauta de primeira grandeza” (PINTO, 1936, p.11).
2 CAZES, 1998, p.114.
3 Uma fonte possível para este levantamento seria, por exemplo, registros das edições do Festival Nacional de Choro, da EPM, que poderiam até, pela natureza do evento, demonstrar a abrangência deste interesse em nivel nacional.
4 PINTO, 1936, p.9.
5 Fazer o “centro”, neste caso significa tocar apenas o acompanhamento, o que distingue esta da função do solista.
6 A autoria das músicas não foi criteriosamente verificada para este trabalho. Estas informações autorais foram colhidas em sua maioria da enciclopédia virtual Wikipédia.
7 NASCIMENTO apud CÔRTES, 2006, p.2.
8 SANDRONI, 2000.
9 CAZES, 1998, 111.
10 “Dividir o solo” significa compartilhar com outro solista a forma da música. Solistas alternam-se entre as partes e, de vez em quando, tocam duas partes consecutivas, mas nunca mais de duas quando estão “dividindo” dois ou mais solistas.
11 CÔRTES, 2005, p.25-26.
12 As “baixarias” seriam as linhas melódicas que o violão executa nos bordões, ou seja, nas cordas graves.
13 CÔRTES, 2006. p.70.
14 CAZES, 1998, p.125.
15 VALENTE, 2008, p.82.
16 Ibidem, p.86.
17 CARRILHO, 1998.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, Marina Beraldo; PIEDADE, Acácio Tadeu. Análise de improvisações na música instrumental: em busca da retórica do jazz brasileiro. Revista Eletronica de Musicologia – volume XI, setembro de 2007.
CARRILHO, Maurício. Choro: continuidade e renovação. Entrevista cedida à Ozéias Duarte e Paulo Bahia. In: Revista Teoria e Debate (revista online), no 37, 1998.
CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. São Paulo : Editora 34, 1998.
CÔRTES, Almir. O estilo interpretativo de Jacob do Bandolim. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Artes, 2006.
PINTO, Alexandre Gonçalves. O Choro: Reminiscências dos chorões antigos. Ed. Fac-similar 1936. Rio de Janeiro: Funarte (Série MPB Reedições), 1978.
SANDRONI, Carlos. “Uma roda de choro concentrada” - Reflexões sobre o ensino de músicas populares nas escolas. Artigo. Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Música. In: IX ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL 2000. Anais... Belém, setembro de 2000.
VALENTE, Paula Veneziano. Horizontalidade e Verticalidade: dois modelos de improvisação no choro brasileiro. Artigo. XVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPPOM). Anais... Salvador, 2008 . p. 82-86.

sábado, 18 de setembro de 2010

Tango Brasileiro "versus" Maxixe


Os defensores da indistinção musical entre o tango brasileiro e o maxixe geralmente argumentam que a indicação de um ou outro destes 'gêneros' na partitura era uma escolha arbitrária dos compositores sob paradigmas socio-culturais da época. Ou seja, eles acreditam que os compositores de tangos brasileiros - geralmente pianistas ou "pianeiros", como alguns preferiam - assim chamavam suas composições para atribuí-las um "status" mais elitizado. Pois, a palavra maxixe, apesar de, naquele tempo, ainda não ser designação de gênero musical, já era carregada de uma conotação pejorativa por remeter à "vulgaridade" daquela dança.

Os críticos, nesta linha, sugerem por exemplo que Ernesto Nazareth "disfarçava sob esta denominação mais polida a verdadeira natureza do maxixe plebeu e equívoco que o animava"; que chamava seus maxixes de tangos "pela vontade de aristocratizar-se [...] como que para repudiar suas origens negras"1. Afinal, segundo Cazes2 o maxixe seria "o ponto mais próximo da cultura afro-brasileira, tendo acento parecido com o ylu de Iansã". De fato, o próprio Nazareth assume sua repugnância ante à confusão com que os seus tangos eram chamados de Maxixes, dizendo à Mário de Andrade que "os tangos não são tão baixos como o maxixes"3.

Sem também querer entrar em discussões de caráter puramente étnico, gostariamos de propor uma reflexão acerca de possíveis desdobramentos dessas "escolhas arbitrárias" em defesa de uma possível distinção estritamente musical entre o tango brasileiro e o maxixe. Dois dos maiores representantes do chamado tango brasileiro teriam sido, de fato, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth. Eram pianistas e tiveram uma formação erudita, de conservatório (ou "conservatorial"4, como diríamos hoje) uma combinação que durante muito tempo foi símbolo de status elevado na sociedade. E isto me leva a crer (ou ao menos suspeitar) que a maioria destas peças que tinham "tango brasileiro" como indicação de gênero foram originalmente compostas para o (ou ao menos "no") piano. Perguntado sobre como tinha chegado a compor seus tangos com esse caráter rítmico tão variado Nazareth respondeu com simplicidade que "ouvia muito as polcas e os lundus de Viriato, Calado, Paulinho Sacramento e sentiu desejo de transpor para o piano a rítmica dessas polcas-lundu"5.

Diz-se que "o maxixe tomou este nome dum sujeito chamado 'Maxixe', que num carnaval, na sociedade 'Os Estudantes de Heidelberg', dançou o lundu duma maneira nova", que teria sido "provavelmente aprendida, ou imitada, dos bailes da Cidade Nova, e transmitida a círculos mais amplos através dos clubes carnavalescos"6. Segundo Henrique Cazes7, o nome passou então a designar uma "maneira abusada de se dançar a polca abrasileirada". E, de fato, o lundu e a polca seriam as bases fundamentais do que viria a constituir a sonoridade do maxixe enquanto gênero musical, anos mais tarde.
"até meados da década de 1890, a dança do maxixe se fazia ao som de músicas que ainda não se chamavam assim: eram polcas, lundus, tangos (e todas as combinações desses nomes), era quase tudo, enfim, que fosse escrito em compasso binário, tivesse o andamento vivo e estimulasse o requebrado dos dançarinos através do 'sincopado'."8
Assim, a confusão não se restringia apenas ao nome. Antropofagicamente, "foi surgindo um gênero específico que [...] misturava a melodia da polca, com acentos modificados e linhas de baixo similares ao lundu", de forma que "proporcionasse maior deleite aos dançarinos"9. Além disso, ao contrário dos salões da nobreza, os bailes da Cidade Nova não eram animados por um piano, mas por grupos de choro e/ou bandas militares. E por tocarem aquelas músicas compostas no piano" com outros instrumentos, e por terem uma formação musical essencialmente popular e autodidata (bem diferente da formação dos pianistas de conservatório), aqueles grupos conferiam àquelas músicas um sotaque naturalmente diferente.

Ora, se os pianistas antes classificavam suas composições como tangos brasileiros por mera distinção social, cultural ou mesmo étnica (de forma mais abrangente) fato é que, depois de tanto tempo fazendo parte do repertório pianístico, estas composições (à base da rítmica d'aquelas polcas-lundu "transpostas para o piano") também teriam adquirido um "sotaque pianístico", em relação não só ao instrumento, mas principalmente à formação do pianista.

Assim, ficamos com a impressão de que aquela indistinção, apesar de ser construída sobre argumentos históricos bastante coerentes, baseia-se mais em questões etimológicas e etnológicas, ou seja na desconstrução da justificativa paradigmatizada que os compositores daquela época incluíam nos seus discursos [o maxixe é mais "baixo"]. No entanto, tal indistinção não faria mais sentido nos dias atuais se, por terem se desenvolvido em contextos sócio-culturais e instrumentos musicais distintos, estas duas 'indicações de gênero' tiverem evoluído para sotaques diferentes, o que pra nós parece natural que tivesse acontecido.
"Um problema à parte é a falta de jeito que os pianistas brasileiros têm pra tocar Nazareth. Se ouvirmos suas obras executadas pelos chamados pianeiros (como a suingadíssima Carolina Cardoso de Menezes), fica faltando sofisticação. Se as ouvirmos tocadas por pianistas clássicos, muitas vezes de sólida reputação no meio erudito, falta o suingue."10
O argumento principal desta reflexão é que diferenças sociais, orquestrais e, por consequência, culturais naturalmente conduzem a diferenças musicais. No entanto, esta é uma reflexão quase que puramente filosófica, e carece de análises musicológicas mais profundas sobre estas questões.
"O pesquisador, não deveria, em princípio, deplorar a 'imprecisão' de uma sociedade que chama indiferentemente de lundu ou de tango a mesma peça de música, nem afirmar que o dito lundu é 'na verdade' um tango ou vice-versa. O que se espera dele é que ele entenda por quê, e em que circunstâncias, diferentes nomes são dados ao que lhe parece ser a mesma coisa"11
Será que tango brasileiro e maxixe se "parecem" tanto musicalmente, mesmo sendo tradicionalmente tocados em instrumentos diferentes e por músicos com formações igualmente diferentes? E por que será que uma caixa clara parece acompanhar melhor uma banda militar tocando um maxixe de Pixinguinha, que um piano tocando um tango de Nazareth?

Notas:
1 Corrêa de Azevedo e Nogueira França apud SANDRONI 2001, p.79.
2 CAZES 1998, p.32.
3 SANDRONI 2001, p.79.
4 FEICHAS 2004.
5 Basílio Itiberê apud SANDRONI, 2001, p.78, grifo nosso.
6 ANDRADE apud SANDRONI, 2001, p.64.
7 CAZES 1998, p.31.
8 SANDRONI, 2001, p.81.
9 CAZES, 1998, p.31.
10 Ibidem, p.38.
11 SANDRONI 2001, p.83, grifo nosso.

Referências Bibliográficas:
CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. São Paulo : Ed. 34, 1998.
FEICHAS, H. F. B. . Aprendizados de música formal e informal na graduação. In: V Congresso da Seção Latino-Americana da Associação Internacional, 2004, Rio de Janeiro. ANAIS IASPM-LA 2004.
SANDRONI, Carlos. Feitiço descente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed. : Ed. UFRJ, 2001.

sábado, 11 de setembro de 2010

Notação numérica

"No musical script can ever be a faithful mirror of music"¹, "No
notation is a transparent representation of music [...] all notations
are a blend of conformance, complementation, and contest"²

A notação numérica é uma espécie de "tablatura musical em texto corrido", que indica com uma espécie de sistema de coordenadas cartesianas a posição das notas no braço dos instrumentos de corda trasteados [como o violão, a guitarra, o baixo elétrico, o cavaco, o bandolim, etc.]. O primeiro algarismo representa a corda. O(s) algarismo(s) seguinte(s) representa(m) a casa. Por exemplo: 52 significa corda 5 na casa 2, e 312 significa corda 3 na casa 12. Os números que terminam em 0 (como 10, 20, 30, etc.) indicam que a corda não deve ser pressionada em nenhuma casa, ou seja: deve ser tocada solta. De uma olhada na figura abaixo para certificar-se de que entendeu.

clique na figura para amplia-la

Quando necessário podemos indicar também os dedos da mão esquerda sobrescrevendo-os logo antes, e/ou os dedos da mão direita subescrevendo-os logo após. Por exemplo: ¹42p = dedo ¹ da mão esquerda na corda 4, na casa 2 e dedilhado com o dedo p da mão direita. Podemos ainda indicar acordes ou notas melódicas que devam ser tocadas ao mesmo tempo colocando-as entre colchetes [ ]. Veja:

Exemplos de Acordes: C6⁹ = [¹42p ²32i ³23m ⁴13a], G7⁹ = [²43p ¹32i 20m ⁴13a], G713 = [¹43p ²34i ³24m ¹13a], C7⁹ = [¹42p ²33i ³23m ⁴13a], F6⁹ = [²43p ¹32i ³23m ⁴13a], Fm67M = [³43p ¹31i ⁴23m 10a].

Trecho de Ode à Alegria (Bethoveen): [40p ²12a] ¹32i ²12a ¹32i [40p ²13a] ¹32i ⁴15a ¹32i [50p ⁴15a] 30i ²13a 30i [50p ¹12a] 30i 10a 30i [50p ²23a] ³44i ²23a ³44i [50p 10a] ³44i ¹12a ³44i [50p ⁴12a] ³42i 30m ³42i [50p 10a] ³42i 30m ³42i [40p ²12a] ¹32i ²12a ¹32i [²53p ³13a] ¹32i ⁴15a ¹32i [¹52p ⁴15a] 30i ²13a 30i [¹51p ²12a] 30i 10a 30i [50p ²23a] ³44i ²23a ³44i [50p 10a] ³44i ¹12a ³44i [50p 10a] ³42i 30m ²23a [50p ³44i ¹32m ²23a]

A vantagem deste sistema é o fato de sua escrita ser mais compacta e em texto corrido, o que facilita a difusão de músicas e exercícios editáveis por meios digitais, já que as quebras-de-página e incompatibilidades de fonte e formatação comprometem a utilização de tablaturas tradicionais³. A desvantagem é que ele não indica o ritmo, a duração das notas, mas quando a melodia já é conhecida previamente pelo executante isso deixa de ser um problema.

A música não está no papel: ela só existe enquanto executada. Por isso ela é, como dizem, a mais efêmera das artes. Nenhum tipo de notação musical é 100% eficaz em traduzir sons musicais - nem mesmo a partitura. Assim, qualquer que seja o sistema de escrita ele estará sempre associado à capacidade do leitor de deduzir os outros aspectos do texto musical. Enfim, cada caso nos sugere o tipo mais prático de notação.

Até onde eu sei, o sistema se resume em números de dois dígitos (corda e casa). As indicações de dedos (sobrescrito à esquerda e subscrito à direita) eu costumo utilizar às vezes como auxílio à didática do instrumento. Ainda desconheço a origem deste sistema. Quando e quem dispensou as linhas da tablatura e resolveu escrevê-la em texto corrido? Caso alguém o saiba, compartilhe conosco postando um comentário.

Referências:
¹ SACHS, Curt apud NETTL, Bruno. The study of Ethnomusicology: thirty-one issues and concepts. University of Illinois Press, 2005, p.76.
² COOK, Nicholas. Analysing Musical Multimedia. New York : Oxford University Press, 1998, p. 268.
³ Como a tablatura é escrita com linhas simultâneas representando as cordas, ao chegar no limite da caixa de texto a quebra-de-texto automática desorganiza a pauta. Além disso, para que a sequência das notas seja bem compreendida a fonte utilizada na tablatura deve ser mono-espaçada, ou seja, todos os caracteres devem ter a mesma largura (exemplos: courier, lucida console, freemono).